Como fica o combustível de competição com a nova gasolina? Porque a nova especificação das gasolinas brasileiras, que entrou em vigor no começo de agosto, traz um avanço em relação à qualidade, melhorando desempenho, reduzindo consumo e com menos emissão de poluentes. E esses benefícios também se estendem à gasolina usada em carros de corrida.
Sobre a nova especificação da gasolina comum, publicamos um ampla matéria na Motociclismo Online desta semana: Como é a nova gasolina que está chegando nos postos. Clique e veja a aula dada por Henry Joseph Júnior, Diretor Técnico da Anfavea, e um dos maiores especialistas em eficiência energética do país. Agora, para a Racing, entrevistei Rogério Gonçalves, engenheiro mecânico, e um dos grandes nomes da Petrobras junto ao mercado de competição. Para ter uma ideia, de 1997 a 2008, ele conduziu a coordenação técnica do Programa de Fórmula 1 na Petrobras (currículo completo no final desta matéria). Rogério explica sobre a nova especificação da gasolina usada em competições e também conta como é o desenvolvimento de gasolinas especiais, como aquele feito pela Petrobras para a equipe Williams de F1.
Você conhece o canal da RACING no YouTube? Clique e se inscreva!
Siga a RACING também no Instagram!
O quanto a nova especificação da gasolina influência na performance dos carros de competição?
Rogério Gonçalves – Em primeiro lugar, vale ressaltar que a Fórmula 1 é totalmente diferente das demais categorias. Cada equipe desenvolve o seu próprio combustível, buscando o melhor desempenho possível. Outras categorias utilizam um combustível único já disponível no mercado, que acaba sendo muito mais barato. Qualquer combustível desenvolvido para determinada categoria ficaria muito caro, não só pelo desenvolvimento, mas também pela logística da entrega: colocá-lo em tambores, transportar para dentro do autódromo etc. O combustível comercial já pode ser enviado da base da distribuidora, em caminhão, e abastecer todas as equipes. É muito mais barato e fácil de lidar. Essa nova especificação da gasolina vai dar um equilíbrio entre todas as distribuídas do país, porque o combustível ficou mais “amarrado”, sem variações. Em corridas se usa a gasolina Premium, com maior octanagem e que ajuda a proteger melhor os motores.
A gasolina Premium brasileira tem como base essa nova especificação ou utiliza outra?
Rogério Gonçalves – A Premium é uma gasolina diferente da gasolina comum, feita por outros processos. Os dois tipos, comum e Premium, utilizam os mesmos limites de destilação e de massa específica. Porém a Premium tem a Octanagem RON (Research Octane Number) mínima de 97. Na gasolina comum a Octanagem RON é menor. Pela resolução da ANP o RON é 92 desde o último 3 de agosto e passaria para RON 93 em janeiro de 2022. No entanto, a Petrobras anunciou que já está fornecendo a gasolina comum com valores típicos de RON 93 desde já. Na prática, a gasolina Premium dá uma garantia de melhor funcionamento para os seus os usuários. Só existem duas refinarias da Petrobras que fazem essa gasolina Premium no país: a de Cubatão, SP, e de Duque de Caxias, RJ.
Então os carros de corrida no Brasil usam uma gasolina Premium, que agora está mais padronizada, mais justinha?
Rogério Gonçalves – As maiores categorias procuram utilizar a gasolina Podium, da Petrobras, que é classificada dentro da Premium para a ANP. Porém, a Podium oferece uma qualidade extra frente às demais Premium. A Podium tem uma Octanagem RON típica de 102, acima da Octanagem RON 97 da Premium. A Petrobras introduziu essa gasolina há quase 20 anos, desenvolvida por solicitação da Petrobras Distribuidora. Essa empresa contratou a Petrobras para fazer a gasolina Podium com exclusividade, para ser comercializada apenas nos postos BR.
Então a gasolina Podium é superior às Premium de outras marcas?
Rogério Gonçalves – Sim, é superior. A Petrobras também produz a gasolina Premium para as outras distribuidoras, porque elas não têm refinarias no Brasil. Porém a Podium, além da elevada octanagem, possui baixíssimo teor de enxofre e tem maior tempo de estocagem graças a sua estabilidade.
Comparada com a gasolina comercial usada em competições europeias, a gasolina Podium das corridas brasileiras tem a mesma qualidade?
Rogério Gonçalves – Ela é equiparada às gasolinas Super Premium europeias em termos de especificação, de qualidade. Ou seja, nossa gasolina tem Octanagem RON 102, que é o máximo adotado em uma gasolina usada em competição FIA na Europa. Mas a gasolina brasileira tem uma grande diferença que é o teor alcoólico, algo que não acontece no exterior. Nossa gasolina comum tem 27% de etanol misturado nela e, no caso da Premium, essa porcentagem é de 25%. Isso leva a uma característica muito especial da gasolina no mercado brasileiro, com necessidades específicas. Como a gasolina Petrobras Podium é a única com a mesma octanagem do exterior, ela acaba sendo utilizada pelas grandes categorias. Em resumo, a Podium tem as características para aproveitar toda a potência disponível no motor. Além disso, o protege para evitar uma detonação errada e para que não quebre.
Como era essa gasolina da Petrobras utilizada na Fórmula 1? Era especial, desenvolvida só para essa categoria?
Rogério Gonçalves – Em competição, não desenvolvemos gasolina apenas para a F1. Já fizemos gasolina para competição de rali e outras. Patrocinamos durante muito tempo a equipe Petrobras no Rali Dakar. Naquela ocasião, fazíamos combustíveis especiais porque era permitido. Mas as categorias preferem ter um combustível único, para nivelar as equipes e impedir vantagens muito grandes entre uma e outra. Já fizemos combustível especial para a Stock Car e produzimos muito para a Fórmula 3 Sulamericana. Mas vale lembrar que a questão, nesse caso, são os maiores custos do combustível. Assim, a maioria acaba optando pela gasolina comercial. A especificação europeia da FIA tem um apêndice J no regulamento técnico, artigo 252, que fala sobre combustível. Ele estabelece que a gasolina para corridas precisa de uma Octanagem RON entre 95 e 102, que é exatamente a especificação das gasolinas Premium e Podium, comerciais.
Conta como foi essa fase da Petrobras com a Fórmula 1? Um período de grande desenvolvimento?
Rogério Gonçalves – Sem dúvida. O regulamento da Fórmula 1 era muito aberto no passado. Desenvolver uma gasolina específica para determinado motor é uma oportunidade muito grande de crescimento tecnológico. É entender como cada componente irá se comportar naquele motor e como tirar o melhor benefício dele, com variações percentuais baixíssimas, tentando ganhar o máximo possível. Na Fórmula 1, qualquer décimo que se ganha de potência é importante. Em termos de adquirir conhecimento técnico, recomendo para qualquer empresa de petróleo que participe de uma competição como a Fórmula 1. O aprendizado tecnológico que se absorve nesse desenvolvimento é muito grande.
Como foi a experiência com a Williams?
Rogério Gonçalves – No caso da Williams tivemos uma vantagem enorme que foi a troca frequente de motores por essa equipe. Em 1998, o motor da Williams era Renault (tinha outro nome, mas a base era Renault). Depois o motor passou para BMW, depois Cosworth, Toyota e Mercedes e também desenvolvemos para Honda. Isso nos deu uma visão muito grande de como cada motor digere melhor a sua gasolina. E fomos fazendo pequenas modificações para que aquele motor tivesse o melhor benefício.
Qual o período em que a Petrobras ficou na Fórmula 1?
Rogério Gonçalves – Inicialmente, foi com a Williams de 1998 a 2008. Durante esse período ficamos também um ano e meio com a Jordan. Em 2008, começamos a desenvolver para a Honda, em segredo Assinamos um contrato para sair da Williams e ir para a Honda. Mas, naquele momento, a Honda resolveu sair da Fórmula 1, mesmo com contrato assinado. Era dezembro e tivemos que abandonar a Fórmula 1 porque já não dava mais tempo de assinar um outro acordo com nenhuma outra equipe. Anos mais tarde voltamos para a Williams. Eu não participei mais diretamente desse processo. Nessa última fase, a Williams já estava com motor Mercedes. Ficamos mais dois anos com essa equipe, desenvolvendo combustível. Mais recentemente, estivemos com a McLaren.
Por que parou o desenvolvimento para a F1?
Rogério Gonçalves – A Petrobras e a equipe McLaren Racing concluíram ano passado a parceria técnica e de patrocínio que vinham desenvolvendo em conjunto. A parceria resultou em claros avanços tecnológicos na linha de combustíveis e lubrificantes e ficamos muito satisfeitos com os resultados entregues durante os dois anos da nossa parceria.
A Petrobras foi a maior patrocinadora do automobilismo brasileiro durante muitos anos?
Rogério Gonçalves – Sim, teve uma época de ouro, no final da década de 90. Tínhamos patrocínio do Kart à Fórmula 1. A Petrobras hoje está muito focada nos combustíveis comerciais e pouco em combustíveis de competição porém, existe a possibilidade de desenvolver e produzir gasolinas especiais a partir da refinaria de Cubatão. Hoje fazemos muitas gasolinas especiais para as montadoras de automóveis. Vamos supor que uma delas queira exportar seus carros de rua para o México, por exemplo, e precisa da gasolina mexicana para testar. No lugar de importar, a empresa passa a especificação e a Petrobras desenvolve.
Ficha técnica
Rogério Gonçalves é formado em Engenharia Mecânica com especializações em testes veiculares nos EUA, Japão e Alemanha, além de possuir MBA em Marketing Aplicado a Empresas de Petróleo, Gás e Energia. Tem 35 anos de Petrobras sendo 20 deles como pesquisador no Laboratório de Motores e Veículos do Centro de Pesquisas – CENPES e depois na área de Desenvolvimento de Produtos do Marketing. De 1997 a 2008 conduziu a coordenação técnica do Programa Fórmula 1 na Petrobras e recentemente assumiu a Coordenação de Assistência Técnica na área de Relacionamento com Clientes . Também é diretor da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva desde 2015, promovendo o relacionamento da Petrobras com o segmento automotivo, órgãos de pesquisa e reguladores e outras associações afins.
LEIA MAIS:
Jimenez: o primeiro campeão de carros elétricos de turismo do mundo
Campeonatos retornando e a Racing crescendo
As meninas do Brasil
Por trás das pistas
Deixe seu Comentário